quarta-feira, 18 de julho de 2007

COMO um SOPRO

Há anos era uma só pessoa, um único objetivo, uma única vitalidade, um único amor.
Hoje, após perceber que os anos se passaram, o andar mais vagaroso, o amor gasto, o coração com vitalidade dividida, as palavras cansadas. Vejo que restara a mesma pessoa frágil de sempre com o coração e a alma mais forte que sempre, todavia sem a mesma atenção dantes.
A casa mal pintada, as roupas antigas. A vontade, e o desejo de viver, gastos pelo impetuoso destino de todos, pelo impetuoso tempo que não cessa.
Pessoas começam a abandonar, a própria família sem compreensão e não obedecem ao tempo que passou.
A mão que sempre acompanhou a filha pela infância, hoje cessa a cautela, em vista ao destino que as separa incansavelmente. Porém, a mesma dor do primeiro dia na pré-escola a consome cada vez mais, sabendo que a distância cada vez fica mais longa.
Os convites para caminhar pela tarde de domingo como faziam há poucos anos, por ruas sem o menor interesse visual, mas apenas desconhecidas, já não são mais aceitos. Já não há o interesse de conhecer o mundo, nem ao menos ver.
Há anos filhos a esquecem, ou apenas ocupam o tempo com amigos e deixam de lado a pessoa que os nutriu tanto no ventre, quanto nos seios doridos, até a colherada de “papinha”. A mão que acariciava suas faces com o mais doce olhar enquanto tentavam dormir em madrugadas queimando em febre. Deixam de lado, a opinião que na maioria das vezes esteve certa, mas nunca admitiram por simples orgulho da adolescência. Jamais contaram segredos a ela, ou simplesmente algumas coisas que sempre contatam, e confiaram a seus amigos, com medo de repressões.
A cada dia que se passa, poderá passar pela mente cada momento que poderia ter vivido mais ao lado de quem ama, quantos beijos e abraços não poderia ter recebido nesses dias passados. Poderia ter evitado tantas desavenças!
Ela ainda está ao lado deles, maternalmente, mas já não há a mesma vitalidade, doenças da idade a deixam mais frágil, em seu olhar profundo já não há mais o brilho, pode-se avistar a tristeza consumindo-a, a depressão matando-a aos poucos. Sabe que pode mudar, mas algo a impede.
A saudade, apesar de ser cruel, faz com que um pouco da esperança volte em seu olhar, faz com que seu cansado coração, inflame novamente e derreta em forma de lágrimas em momentos de nostalgia, quando faz “bolinhos de chuva” para tomar seu precioso café da tarde. E se lembra da voz do neto quando chegava em casa, cheio de seus sorrisos tímidos dizendo: – Vó, quero bolinho de chuva! E agarrando sua blusa, em tom de clemência. Mas a distancia a faz sofrer ainda mais. Nesses momentos ainda posso ver lágrimas se misturarem às dela, quando partilha desse momento com os filhos, comendo os bolinhos de chuva açucarados com canela. Raros momentos em que partilham, ainda, os mesmos sentimentos.
A sobrevida que levam faz com que se distanciem dos sentimentos mais simples, esquecem gestos que podem fazer brotar um sorriso numa face saudosa e triste. Mas não podem, mesmo assim, imaginar o dia em que não a terão mais ao lado.
Juliana Lima

3 comentários:

Anônimo disse...

No começo não estava entendendo direito do que se tratava, mas depois fui vendo, e lembrei muito da minha vó...e da minha mãe tbm...e de mim e numa coisa que penso sempre, nesse lance de dar valor às coisas, de aproveitar...

Gostei...achei simples..e realista tbm..e triste..ai..

Anônimo disse...

Triste... Mas lindo!
Chorei!

Anônimo disse...

Nossa ,magnífico!!.Um drama que é universal,penso que todas as famílias ,ou melhor todos os símbolos maternos passaram,passam ou passarão por isso.Seu estilo é muito parecido com Clarice Lispector ,nunca li os livros dela ,mas trechos que li dela me remetem à analogia que faço.Parabéns,é forma de valorizarmos essas figuras maternas ,sejam mães ou não !