quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Como Almodóvar

= cartaz da peça . por Aline Brault =

Falando abertamente da peça de teatro “Como Almodóvar” dirigida por Gláucio Machado

A chuva bem pensou em brecar a minha odisséia ao teatro, frustração, sou filho de Ogum, abri as espadas em alto e saí turvando o mundo até a primeira poltrona da segunda fileira (mais alto, ver bem). Nós, soteropolitanos [mesmo que adotados], fomos privilegiados com a graça de ver as “cores de Almodóvar” pintadas num palco. Os formandos em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia, como conclusão de curso, estão apresentando uma seqüência de três peças. A primeira, já está sendo. A segunda (As Bruxas de Salem) e a terceira (Viva o Povo Brasileiro) irão acontecer no mês de setembro, ainda, não vem ao caso. Conheci Almodóvar através de “Matador”, filme de 1985, o 5º dentre 16. Esse filme foi exibido pela Rede Bandeirantes há muito tempo. Vi-o sem ter idéia de quem viria a ser o tal diretor libriano. Revendo Matador, lembrei de minhas primeiras contrações juvenis ante ao cinema. Concluí a filmografia do “homem-vermelho” este ano, vendo, por último, seu primeiro filme “Pepi, Luci, Bom y otras chicas Del Montón” (1980), esse não veio cópia para o Brasil, o motivo de tê-lo assistido foi através de meios fugidios que a Internet nos fornece. Em outra oportunidade tratarei com mais cuidado a respeito dos belíssimos filmes do espanhol, hoje, é dia de falar dAquela peça. O “incestuoso” texto da jovem Cláudia Barral é, no mínimo, revolucionário. Ela soube de maneira brilhante traduzir parte lustrosa dos filmes de Almodóvar sem querer forçosamente trazer o cinema ao palco. O roteiro (texto) da peça foge completamente da estética cinematográfica, vai costurando as personagens em uma trama atemporal e sem, incrivelmente, perder o fio em instante algum. Somos, todos, atados por cada gargalhada, cada pranto desmedido e, até, a cara apática das personagens gordas, magras, mulher-homem, homem-mulher, sempre “autênticas”! Misturando passado-presente-futuro e pondo, sem derramar o copo, nove atores em cena vivendo em nove mundos diferentes, o texto é assustadoramente encantador. Em uma mesma Dolores temos Agrado (Tudo sobre minha Mãe), Juana (Kika) e Marina Osório (Ata-me): formamos uma “chica” à beira de um ataque de nervos. A alma feminina, ilustrada de maneira tão Vermelha nos filmes, foi transcrita ao teatro com uma vivacidade equiparável. Tínhamos todo mundo ali, “que overdose”! Qual a regra ou mandamento naquela balbúrdia de sentimentos? A lei era penetrar cada vez mais profundo no Labirinto de Paixões em busca de um regador para as plantas, ou para a alma? “Fale com ela” que talvez ela lhe diga a “Flor do Segredo” de ser intensa, ser plena, estar além dos “Maus Hábitos” ou da “Má Educação” e entregar-se à “Carne Trêmula”, mesmo que para isso seja preciso “Volver”, volver, volver, ao passado e traçar as curvas para o futuro ... Bem que eu poderia tentar, mas será impossível conseguir descrever cada cena, cada susto, essa peça é do tipo que fica tudo registrado, mas não se pode contar: estraga! Posso dizer mais que foi apaixonante. A iluminação de Felipe Benevides [êpa! Não sou eu] estava saborosa! Migrando da vermelhidão à suavidade azul, passando pelo branco e o amarelo: contrastante e arisco. O figurino era já esperado, pelos olhos e mãos de Karina Allata, víamos a onça, a zebra, os paetês, o abóbora, o verde, o verrrrrrrrrrmellho, e as flores: ah as flores! Aquelas peças únicas só podem ter saído de um brechó andaluz, [quase] todas trajando a verdade e postas como numa figura dadaísta “De Salto Alto”. Os sapatos... Salto fino, plataforma, curvilíneo, acolchoado, vermelho, marrom, pretos... Viva os saltos! O cenário furta-cor por Renata Cardoso, com direito a explorar todo o mundo dos sofás, pufes, telefones, papéis-de-parede, cortinas, abajures, copos, taças, almofadas,... Lembrava, muito, principalmente, as casas (apartamentos) de “Que fiz eu para merecer isto”, “Tudo sobre minha mãe” e “Labirinto de paixões”: cores, cores, cores,.. Os cabelos tinham vida própria, destaque para a sexualmente avultada Rosário, saída de Matador, que trazia um cabelo superiormente interessante, além do figurino cigano. A música espanhola se fez presente, também, hits como “Soy infeliz” atochavam de humor um suicídio mal-sucedido: brilhante, brilhante. Temos um final carnudo com um Bolero (?) dançado a quatro e aplaudido de pé por minutos. Foi tudo surpreendente como um doce de Cupuaçu. Felizardo os que puderem prestigiar essa nova penca de bons atores advindos de nossa “Senhora Sé da Bahia”. Desejo-os muita sorte na luta braçal (por que, não?) em defesa do teatro, da labuta em ser ator, da sensibilidade e das coisas vermelhas da vida!
Viva o escarlate!
Viva Almodóvar!
“Viva o teatro, viva o artista, viva essa gente que faz arte e trás a vida!”
¬ Aos interessados, os longas-metragens:
  1. Pepi, Luci, Bom y otras chicas del montón (1980)
  2. Labirinto de paixões (1982)
  3. Maus hábitos (1983)
  4. Que fiz eu para merecer isto? (1984)
  5. Matador (1985)
  6. A lei do desejo (1986)
  7. Mulheres à beira de um ataque de nervos (1987)
  8. Ata-me! (1989)
  9. De salto alto (1990)
  10. Kika (1993)
  11. A flor do meu segredo (1995)
  12. Carne trêmula (1997)
  13. Tudo sobre minha mãe (1999)
  14. Fale com ela (2002)
  15. Má educação (2004)
  16. Volver (2006)

por Felipe Ferreira

3 comentários:

cleilton silva disse...

Aqui se põe o registro de uma peça ou o silêncio afoito perante ela?
Em cores tão vermelhas, como os quadros de Frida, que vão derramando a vibração das cores, vemos o corte e o sangue em cada palavra... Almodóvar e sua atmosfera lânguida se transporta para o teatro em ambiente de sonho e realismo.
Felipe poderia negar-se a transcrever seu estado depois de assistir a este ESPETÁCULO, mas nos traz dor e susto em suas letras (ou facas?).

Cortemo-nos.

Parabéns, Felipe!

Anônimo disse...

Olá Felipe, me chamo Simone e sou uma das atrizes de "Como Almodóvar". Só tive acesso ao seu post agora...fiquei muito emocionada com o que vc colocou...me sinto muitíssimo feliz por fazer parte de algo que tenha tocado alguém dessa forma...muito obrigada por suas palavras!
Gostaria tb de informar que voltaremos a cartaz nos dias 7,8,9,14,15 e 16 de Set. (sex a dom) na Aliança Francesa, 20hs...se quiser dar uma outra coferida...e se puder dar uma força na divulgação... Valeu! Abraços!!!

Claudia!!! disse...

musicando..
Yo quiero ser una chica almodovar... de Joaquin Sabina

http://www.youtube.com/watch?v=QeSjVRIoigY&feature=related

(aviso que o video não é dos melhores, mas a música é lindaaaaa!)